E O PIUNGA LUTA CONTRA O SACI

Serafim arregalou tanto seus olhos que eles quase saem das órbitas. Vira o que havia acontecido, mas ainda não acreditava no que vira. O menino Francisco tinha sumido dentro do redemoinho do Saci! Sem esperar mais nada, rodou nos calcanhares e correu para o casarão gritando pela sua patroa.
– Dona Sueli! Ô, Dona Sueli! O Saci levou imbora o mininu Chico, cruz credo mangalô treis veiz!
A gritaria do empregado de confiança da família trouxe todos para a varanda do casarão. Atrás do apavorado Fimfim, vinha o Piunga gritando a todo pulmão para ele calar a boca. Em vão. O homem estava esbaforido e tão excitado que quase não conseguia dizer o que tinha visto.
– Dona Sueli! Eu vi! Juro que vi! Eu vi mermo! Juro!
– E o que foi que você viu, Serafim? – Perguntou papai, tentando acalmar o homem.
– Vi o Saci levar o Chico, ora se vi! Ele vei no redimoinho, enrolou o mininu num lençor de pueira e se foi com ele embrulhado naquilo.
Mamãe levou a mão ao coração e empalideceu. Nós já havíamos tido uma experiência horrível com o Moleque Saci Pererê e o que menos queríamos era nos ver às voltas com ele, de novo.  Uma suspeita fez seu coração disparar. Com um fio de voz, perguntou:
– Seu Serafim, o senhor acha que o Saci também levou minha filha?
A voz de mamãe quase não era ouvida, tal a tensão de que estava tomada.
– Levou, sim sinhora! E o curpado disto é seu fio, o Piunga. Ele aprontou com o Saci. Conta pr’ela, Piunga! Conta de uma veiz! Anda! Tarvez teus pai pode fazê arguma coisa pela tua irmã!
– Não! – Gritou o Piunga, correndo para dentro de casa e para seu quarto, onde entrou às pressas, apanhou a preciosa caixa de tralhas, saltou a janela e correu para o mato, sumindo no cipoal em direção ao rio.

– PIUUUUUUUUGAAAAAAAAAAAA!                                                          

O berrão de mamãe atroou os  ares, mas sem resultado. Corremos atrás do mano, mas ele havia-se embrenhado no cipoal e correra para o rio. Seria difícil localizá-lo assim, facilmente.
O Piunga, quando se viu seguro, passou a remexer às pressas dentro de sua caixa de tralhas. Procurava a pena do Saci. Finalmente, encontrou-a, apanhou-a e mais uma caixa de fósforos e outra pena verde, parecida com aquele do Moleque encantado. Escondeu sua caixa de tralhas debaixo de umas pedras e correu até à margem do Rio, onde juntou gravetos e fez uma pequena fogueira. Então, gritou bem alto:

– Iara! Ô, Mãe d’Água! Vem cá, agora!

Esperou um tempo e tornou a chamar pela rainha dos rios e lagos. Gritou por quase meia-hora e só o vento lhe respondia. Toda vez que ele gritava, corria a se esconder, pois sabia que seus gritos seriam ouvidos pelo Serafim que estava empenhado em procurá-lo. Assim, mudava sempre de lugar e só gritava quando tinha a certeza de que não havia sido descoberto, ainda. Depois de muitas tentativas e tendo fugido de Serafim por um triz várias vezes, Piunga se sentou desalentado. Ficou olhando para a pequena cachoeira cujo barulho abafava seus gritos. Então, decidiu-se. Tornou a juntar gravetos e fez uma pequena fogueira. Depois, estendendo a pena de arara para o rio, disse, em voz alta:
– Vou tocar fogo na pena encantada de seu filho! Ele vai perder os poderes que você lhe deu. Só não faço isto se você resolver me aparecer, agora!
Esperou um tempo e, então, colocou a pena perto do fogo, queimando-lhe a ponta. Imediatamente um esguicho d’água saltou de dentro da cachoeira e uma mulher, cujo corpo parecia feito daquela água, apareceu e deslizou sobre o rio até à margem. Uma voz borbulhante falou.
– O que deseja de mim, garoto humano?
– Quero que a senhora mande seu filho danado soltar minha irmã e meu irmão adotivo, o Chico.
– E se eu não der essa ordem a ele, o que você pode fazer para me obrigar?
– Está vendo esta pena aqui?
– Estou.
– Não reconhece a pena?
– É uma pena de rabo de arara azul. Por que?
– Ela pertencia ao Moleque Saci. E foi a senhor que lhe deu isto de presente. Foram  três penas encantadas, cada uma dando ao Saci três poderes. Ele usa para atormentar a vida da gente…
– Não! Meu filho usa os poderes  que lhe dei para punir os humanos maus – corrigiu a mulher d’água.
– Tá bem, tá bem. Mas ele nem sempre distingue bem quem é bom de quem é mau. Por exemplo: minha irmã é boa, mas ele levou ela embora. O Chico é bom e ele também  levou o Chico bem diante de meus olhos e dos olhos do Fimfim. Eu quero que ele devolva todo mundo. Já!
– A coisa não é assim, filhote de humano. Não  fazemos as coisas depressa só porque um humano ordena. Nós não obedecemos a vocês. Nem mesmo a um filhote, como você.
Sem dizer mais nada, o mano queimou mais um pouco da pena de arara azul. Quando o fogo começou a queimar a pena, um jato d´agua caiu sobre ele e o apagou.
– Grande coisa! – Gritou o Piunga. – Vou-me afastar da margem do rio e fazer outra fogueira. Aí, toco fogo na pena e você não vai poder fazer nada. Quer ver?
E o maninho começou a se afastar, mas a voz molhada da Iara chamou-o de volta.
– Está bem, menino humano. Está bem, eu chamo aqui meu filho Saci.
– Agora! não tenho muito tempo. O Fimfim tá me caçando e ele é danado de bom.
– Você gosta de dar ordens, menino humano. E eu não gosto de receber ordens. De agora em diante peça por favor ou eu faço que se transforme em peixe.
Piunga se calou. Estava com medo, mas precisava se mostrar corajoso, caso contrário não teria sucesso em sua arriscada empreitada.
– Estou esperando – falou a Iara.
– Esperando o quê? – Perguntou meu maninho.
– Que você me peça por favor.
– Está bem, está bem. Por favor, Mãe-d’Água, peça ao seu filho Saci que desfaça o encanto que colocou em meus irmãos.
– Melhorou muito. Vou aceitar seu pedido. Espere aqui.
A figura de água se desfez e o mano ficou ali, inquieto, apenas ouvindo o barulho da cachoeira. Ele se sentia muito solitário e muito desamparado, desde que perdera o mando da situação. O lugar era selvagem. Muita ramagem se debruçando sobre as águas claras que espumavam perto de onde se despencavam de sobre as grandes pedras.~A luz do sol era muito brilhante e encandeava a vista. O barulho constante hipnotizava e dava sono. Piunga sentou-se e bocejou. Aos poucos sua cabecinha se curvou sobre o peito e não demorou para que ele caísse de lado, mergulhado em sono profundo. Um esguicho d’água começou a se formar justamente quando o Fimfim chegou e se debruçou sobre o Piunga. Ergueu-o cuidadosamente no colo e o levou embora. Não viu que uma pena levemente queimada de rabo de arara ficava no chão.
Tão logo Fimfim se retirou, a Iara surgiu. Sua mão de água estendeu-se até a pena e a pegou. Então a mulher d’água sumiu no rio.
Meu mano foi trazido para o casarão. Dormia pesado e aquilo chamou a atenção de todos nós…
A gente se encontra para continuar a história, tá legal?



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